"A cunha"

(Na rua, a câmara aproxima-se após dois amigos se cruzarem no passeio e pararem para falar um pouco. Quando se abeira deles, falavam desta maneira:)

Homem 1 – Preciso de ir à Alfândega. Comprei uma mota em França e vou legalizá-la…
Homem 2 – Estás cheio de sorte. Conheço lá um tipo… Que sorte a tua, ãh?! (Bate nas costas do outro)
Homem 1 – (Fecha os olhos, sorri levemente, abre os olhos, sorri levemente, fecha os olhos, sorri levemente) Oh, não! Obrigado, mas não é preciso nada! É só pagar o imposto e depois pedir os documentos portugueses para a moto…
Homem 2 – Sim, sim, claro… Mas é sempre melhor, nunca fiando, sabes como são as coisas neste país, implicam com tudo e mais alguma coisa. Basta que lhes dê na veneta.
Homem 1 – Não, a sério, oh Torres, obrigado. Está tudo bem, não é preciso nada. Sabes, não queria entrar em esquemas desses…
Homem 2 – (Indignado) «Esquemas desses»?! Se não queres ir ter com o Antunes e dizer que vais da parte do Torres, é uma coisa! Agora não digas que te estou a meter em “esquemas”. Eu estou é a tentar safar-te de “esquemas”. 
Homem 1 – (Encolhe os ombros, parece resignado)

(Na alfândega, junto a um balcão com dois guichets. Escolhe um dos guichets)

Homem 1 – Eu queria falar com o senhor Antunes…
Funcionário – (Aponta com a cabeça para o guichet do lado)
Homem 1 – (Desloca-se para o outro guichet com dois passos laterais) Senhor Antunes?
Antunes – Faz favor?
Homem 1 – Queria legalizar a minha mota. Estão aqui os documentos todos, os formulários preenchidos que tirei da internet e os 35€ dos emolumentos. No vosso site estava tudo muito bem explicadinho…
Antunes – Sim senhor, deixe-me só ver, hum, hum (ligeira pausa), muito bem, está tudo direitinho. Receberá uma carta nossa para vir levantar os documentos dentro de 15 dias…
Homem 1 – Muito obrigado, Senhor Antunes…
Antunes – Já agora, porque é que pediu para ser atendido por mim?
Homem 1 – É que eu sou amigo do Torres… Foi ele que me disse para falar consigo, que assim era melhor…
Antunes – E é, e é… Ainda bem que me disse isso… Grande Torres! (Afasta-se, fala com uma pessoa, mostra-lhe os papéis… parecem analisar… regressa… Fala com ar de caso…) Bom, agora sim está tudo certo, dentro de 15 dias vai receber uma carta nossa para vir levantar os documentos… Ah, e mande aquele abraço ao Torres (ar cúmplice, palmada no ombro…). Por que é que você não disse logo que era amigo do Torres?!
Homem 1 – (Incrédulo… Encolhe os ombros…)

(Mais tarde, na rua, o homem 1 encontra o Torres…)

Homem 2 (Torres) – Então, como é que correu na alfândega?
Homem 1 – Impecável, a papelada estava toda direitinha, não houve problemas…
Homem 2 (Torres) – Falaste com o Antunes?
Homem 1 – (Anui relutantemente com a cabeça)
Homem 2 (Torres) – Disseste-lhe que ias da parte do “Torres”?
Homem 1 – (Anui relutantemente com a cabeça)
Homem 2 (Torres) – Eu não te disse? Eu não te disse… que era melhor?! Estava claro que era…

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