Uma super oportunidade!

Numa sala do palácio de São Bento, o primeiro ministro vê televisão placidamente. Os sofás são de couro, em cima de uma pequena consola o símbolo da JSD, a decoração é austera e tanto o primeiro ministro, como a esposa, sentada numa poltrona a ler uma revista de crochet, fazem parte dela. A câmara vai focando ora o rosto atento e pausado do governante, ora o ecrã de televisão, onde passa "Portugueses pelo mundo", na RTP. Subitamente, o primeiro ministro aquieta-se com algo, descola o corpo da poltrona e apoia as mãos nos braços do cadeirão. (Ouve-se a banda sonora de "the good, the bad and the ugly") Em seguida, coloca a mão direita em forma de concha na orelha, como se procurasse ouvir um som que vem de muito longe e levanta-se repentinamente, permanecendo hirto e firme que nem uma barra de ferro. A mulher olha-o com ternura e sem parar as agulhas. (Deixa de se ouvir a trilha sonora) Ele diz:
- Tenho de sair, não demoro muito. Ela ainda replica:
- Não te atrases que o jantar é arroz molhado e tem de ser comido na hora, se não seca tudo... Não tendo obtido resposta, encolhe os ombros resignada à condição especial do marido e diz para a câmara:
- É sempre assim, já estou habituada... Põe-se a ver o "Portugueses pelo mundo", que é o programa preferido dele, vê todas as semanas sem falhar um episódio, até já encomendou mais uma série deles, que ele só de pensar que aquilo pode acabar e ele parece que lhe foge o chão! Mas estava a dizer, põe-se-me a ver isto e depois dá-lhe o amoque e sai de casa. Volta como se nada fosse e andamos sempre nisto!

A acção passa para o interior de uma casa onde, na sala, uma senhora idosa se tenta levantar de uma cadeira de baloiço. Está com evidentes dificulades! Na imagem aparece a seguinte legenda:

"Solidão na velhice em Rio de Mouro"

Estamos neste levanta, não levanta quando do nada, envolto numa aura de fumo branco (ou noutro efeito especial qualquer), ao mesmo tempo que a trilha sonora de Enio Morricone retumba, aparece o Super-Oportunidade, um super herói em tudo igual ao primeiro ministro mas que, só porque está vestido com uma fato azul e umas cuecas vermelhas por cima, ninguém reconhece. No peito, a seguinte inscrição: SO! A velhota exclama:
- Super-Oportunidade, meu herói!
- Mantenha a calma, velhinha. Estou aqui para a ajudar!
- Óptimo, meu rapaz. Ajuda-me aqui só a levantar... O Super Herói auxilia a pobre senhora a erguer-se do cadeirão e ouve-se um altissonante traque de velhinha que vive sozinha e tem de se entreter com alguma coisa. O Super Herói fica super vexado e exclama:
- Mas o que foi isto?
- Foi um pum, meu rapaz, foi um pum. Estava aí preso há horas e graças a ti conheceu a luz do dia. (Olha-o com admiração) Meu herói...
- Apenas cumpri o meu dever, velhinha. Posso fazer mais alguma coisa por si?
- Não meu rapaz, já não me resta muito mais senão esperar que Ele (aponta o céu) me chame...
- Então, aproveite esta oportunidade para mudar de vida. Deixo-lhe aqui este dossiê (aparece-lhe nas mãos, não se sabe de onde, não se sabe como) com a descrição da vida de uma velhota que vive sozinha no Cacém e que gostava de viver em Rio de Mouro, porque aqui há menos humidade. Se quiser, a vida dela é sua. Basta que saiba ver a oportunidade que é ser idosa e viver sozinha, sem o apoio de ninguém, e em risco de passar a eternidade sentadinha nesse cadeirão. Há gente capaz de dar tudo pela vida que a senhora leva. Pense nisso. Agora, tenho de ir, há mais gente que, como a senhora, não vê um palmo à frente da testa e tenho de as salvar. (Recomeça a trilha) Salta pela janela e ouve-se um estrondo enorme. Ouve-se o Super Herói dizer:
- Maldita capa!

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