Euro optimista

Pivô (Mulher) - Um grupo de manifestantes manifestou-se hoje numa manifestação que procurou manifestar outras formas de manifestação que não os habituais manifestos. Os participantes que participaram nesta forma de participação cívica eram poucos mas participativos e ruidosos, e protestavam contra os protestos com que é habitual protestar-se hoje em dia. Tratou-se de um protesto que ficou marcado pela total ausência de reivindicações, o que num protesto não deixa de ser curioso e exige uma análise mais detalhada por parte de quem perceba alguma coisa disso, pois quando se protesta mas não se protesta está tudo hodido, como diz um amigo meu que troca os efes pelos agás e nunca ninguém lhe ligou nenhuma por causa desse facto. Coitadinho... Vamos em directo para o local da manifestação, onde se encontra o nosso repórter de rua, que também tem uma perturbação da fala que não é muito falada mas que também é gira: mete os pés pelas mãos, o que lhe dificulta segurar no microfone, logo, que lhe dificulta a fala.
(Aparece o repórter com os sapatos nas mãos e as luvas nos pés, segurando o microfone como pode, até que acaba por pedir, ainda antes de começar a falar, ao câmara para lhe segurar o microfone. Vê-se um braço estendido que sai da câmara e o repórter a falar.)
Reporter - É isso mesmo, Zé Alberto, encontro-me em directo precisamente daqui... Neste momento, não há grandes apontamentos de reportagem. É pena porque se fosse há cinco minutos atrás, quando estava ali (aponta desengonçadamente para um sítio qualquer) havia muitos motivos de reportagem. Mas neste momento, aqui precisamente onde me encontro, não há nada de relevante a acrescentar ao que tu já disseste, Zé Alberto.
Pivô (Mulher) - Aonde?
Reporter - Ali... (Aponta desengonçadamente para outro sítio qualquer)
Pivô (Mulher) - Não queres tentar chegar à fala com algumas dessas pessoas que estão neste momento atrás de ti a fazer tristes figuras, entre elas, de urso?
(Na imagem aparecem figurantes a falar ao telemóvel, a comer, a meter o dedo no nariz e um vestido de urso)
Reporter - Já tentei Zé Alberto...
Pivô (Mulher) - E?...
Reporter - É gente que não fala. Dizem palavras mas não é em frases, é tipo em máquinas de lavar na fase de centrifugar...
Pivô (Mulher) - Estou a ver...
Reporter - Não estás nada.
Pivô (Mulher) - Olha que eu antes de ser jornalista era professor nas novas oportunidades...
Reporter - Ah, então está bem! Então sabes do que estou a falar...
Pivô (Mulher) - Pois sei... Ora experimenta lá com o urso a ver!
Reporter - Ok... (Vira-se na direcção do urso) Boa tarde, em directo para a televisão, diga-me: o senhor sabe falar?
Urso - Dou uns toques...
Reporter - (Piscando o olho a Zé Alberto, através da câmara) O senhor está aqui a manifestar-se porquê?
Urso - Porque somos a favor da Europa... Não queremos sair da Europa... Para onde é que a gente ia?
Reporter - Mas isso não faz sentido.
Urso - Pois não, é isso que a gente anda a dizer desde as duas da tarde, quando aqui chegámos...
Reporter - Ok... Diga-me, o senhor é aquilo a que se chama um euro optimista?!...
Urso - Sou sim senhor... Apesar de estar desempregado, ter perdido a casa e de várias pessoas da minha família se terem suicidado à conta da crise, continuo dar a cara pelo projecto europeu e a acreditar que o lugar de Portugal é na Europa e não na Ásia, por exemplo... Eu sei perfeitamente como é que estas coisas funcionam! Primeiro querem que a gente saia da Europa, depois da Península Ibérica e qualquer dia varrem-nos para o meio do Atlântico e os comunistas tomam conta disto...
Reporter - Então e, agora, o que é que está a pensar em fazer para tentar ultrapassar esta fase menos boa da sua vida?
Urso - Bom, provavelmente terei de emigrar...
Reporter - E para onde é que está a pensar em ir?
Urso - Tudo o que seja Grécia, Espanha, Irlanda, Roménia parecem-me excelentes possibilidades, mas ainda estou a apalpar terreno, enfim...
Reporter - Mas esses países estão a atravessar por dificuldades que não os tornam propriamente destinos atractivos?...
Urso - Isso são calúnias! São países onde as oportunidades abundam, onde a taxa de desemprego ronda os 25, 30%. Por amor de Deus, são terras de oportunidade. Esses países são pérolas para porcos, ouça o que eu lhe digo... (Empertiga-se. O jornalista tenta terminar o apontamento de reportagem) PÉROLAS PARA PORCOS!
Reporter - Bom, Zé Alberto, foi a reportagem possível... A emissão continua no estúdio contigo.

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