Ondas blasé

Acabo de chegar do intermarchéé onde fui comprar os croissants para o pequeno-almoço. Enfim, é a crise! Se não fosse, teria ido à pastelaria com a família toda ou até à beira mar constatar por mim próprio como o tempo junto à costa norte é tão desagradável. Depois de nos termos empanturrado em manteiga francesa, os meus filhos dedicaram-se às alarvidades do costume e a pôr em marcha o seu próprio processo de crescimento, a minha mulher ocupou-se de ir ao frigorífico ver do almoço e eu dediquei-me a pensamentos económicos. Ao que parece, o português comum ficou chocado e ofendido e revoltado com o facto de o pr (depois do acordo que Cavaco Silva assinou ontem à tarde com a estupidez e a falta de bom-senso, presidente da república passou a escrever-se com minúsculas) não ganhar para os gastos. Ora, se por um lado esta revolta me parece salutar, por outro, não se compreende porque razão o português comum não ficou ainda mais chocado com o facto de há já muito ele próprio não ganhar para os gastos. Por que motivos insondáveis, o cidadão comum fica blasé quando lhe cortam o abono dos miúdos - já de si mísero -, quando lhe cortam os subsídios de férias e Natal, quando taxam bens de primeira necessidade para 23%, quando constatam os rendimentos de Eduardo Cartroga (aqui, provavelmente, o português comum não se choca pois no caso do Cartroga os 50 mil€/mês dá para fazer face às despesas, ainda que não dê para grandes luxos), mas depois se revolta com o facto de o pr ganhar tão pouco, por um lado, e viver acima das suas possibilidades, por outro?! Fica blasé, provavelmente, porque vai ao intermarchéé. A minha esperança é que os portugueses se revoltem quando efectivamente lhe forem aos bens de primeira necessidade: a comida congelada, os cornetos de morango e o queijo fatiado dos Açores. Aí, sim, vem tudo para a rua. Para finalizar, para que se perceba, para que, pelo menos, eu perceba: o que governo e os portugueses estão a fazer é aquele jogo de miúdos, em que um (o governo) dá socos a outro (o português comum) e este diz, para não ficar por baixo: 
- Áh, áh, não me doeu nada! Dá com mais força! 
E o menino grande (o governo) dá com mais força! E o menino pequeno (o português comum), cheio de nódoas negras e ensanguentado, reforça:
- Áh, áh, não me doeu nada outra vez! Dá com mais força!
E não é que o cabrãozito do menino grande lhe volta a acertar!

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